Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses
I – Fundamento
No decurso dos últimos séculos ocorreram numerosas alterações no modo como as sociedades se organizam, fruto da descoberta de novos modos de produção (Revolução Industrial), dos movimentos migratórios dos campos para as cidades, de novas ideologias e novas respostas políticas aos problemas sociais entretanto criados (o Estado Previdência). A qualidade de vida das populações melhorou significativamente e, com ela, a tomada de consciência de um alargado conjunto de direitos e aspirações inerentes à dignidade da vida humana. O trabalho, elevado à condição de valor social, vê-se ameaçado, enquanto tal, pela emergência do hominis tecnologicus, ou seja, vê-se progressivamente substituído pela inovação tecnológica. A evolução demográfica, com a inversão da pirâmide etária, fruto da redução muito marcada da natalidade e do aumento acentuado da esperança de vida, nunca antes verificados na História da Humanidade, levou a que as sociedades atuais se encontrem profundamente envelhecidas e o número de pessoas muito idosas e dependentes de cuidados específicos seja muito grande. O aumento da prevalência das doenças crónicas piora a situação porque afeta gravemente o estado de saúde e a qualidade de vida destes idosos.
Estas mudanças, ocorridas a nível social, económico, demográfico, epidemiológico e político, acarretaram uma profunda alteração da natureza dos problemas com que se confrontam as sociedades atuais e, consequentemente, o modo como elas mesmas se organizam e as formas de conceber respostas adequadas.
De facto, é claro que as instituições dos Estados-Previdência atuais, as forças do mercado e a sociedade contemporânea como um todo se debatem com a dificuldade ou impossibilidade de garantir o bem-estar dos seus membros, em particular dos mais desprotegidos ou frágeis.
Nunca, como agora, as instituições de solidariedade social, tais como a Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, foram tão relevantes, tão necessárias e em tão grande número, porque a dimensão das questões sociais assim o exige, e, nunca como agora, se viram confrontadas com problemas tão diversos, novos e sem soluções anteriormente testadas, desafiando a sua capacidade de adaptação e criação de soluções inovadoras.
Neste contexto, o voluntariado, cuja origem remonta à idade média e, etimologicamente ligado a voluntas ou voluntatis, se associa ao conceito de vontade (de ajudar), tem-se constituído como instrumento essencial no agregado das iniciativas de caráter social criadas pela Humanidade. Enquanto ato livre, gratuito e desinteressado oferecido às pessoas, às organizações, à comunidade ou à sociedade, ele constitui-se como a primeira linha de defesa contra a fragmentação social neste mundo globalizado. No entanto, para ter sucesso, nomeadamente porque exige formação em conteúdos e competências sociais, deve ser efetuado de forma integrada, continuada e consequente, obrigando, por isso, à constituição de estruturas organizadas, hierarquizadas e disciplinadas.
A Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, instituição profundamente devotada à prática do Bem, fundamentalmente dedicada à realização e promoção de atividades de solidariedade social, com uma longa, profícua e proeminente história no contexto regional, nacional e das instituições congéneres vê, pelas razões expostas, como essencial a criação de uma associação de voluntariado que a ela esteja ligada, que abrace, de modo autónomo e independente, a sua missão e valorize a sua ação.
II – Constituição
Esta associação, promovida e apoiada pela Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, mas imanada de uma vontade difusa da sociedade civil marcoense e dos seus membros constitutivos, designada por Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, criada sob o desígnio de fazer o Bem, em respeito dos preceitos legais da solidariedade, participação, cooperação, complementaridade, gratuitidade, responsabilidade e convergência, destinada a desenvolver a sua atividade independente no âmbito das ações e estruturas de carácter social e de prestação de cuidados de saúde da Santa Casa, quer a nível institucional quer a nível domiciliário, regerá a sua estrutura orgânica e funcional por Regulamento próprio a aprovar pelos seus constituintes.
III – Valores
O Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses e os seus membros assumem e reconhecem o valor da Singularidade de cada ser humano, enquanto entidade única, desigual a outras, mas com idênticos direitos e deveres, titular de um conjunto de valores e referências, os quais incorpora e nas quais se revê, merecedor de integral respeito e princípio orientador da sua ação. Porfiam no esguardo do valor da Alteridade, desde o princípio básico do respeito pelo outro até ao saber colocar-se no lugar do mesmo (Empatia).
Sabendo que cada ser humano é dotado de um caráter próprio e inato, sobre o qual, agindo as interações sociais e com o meio ambiente, se origina a personalidade, que, em conjunto com o seu aspeto físico único, cria a individualidade, gerando um ente de multifacetada complexidade, envolvendo as dimensões física, psicológica, social, espiritual e religiosa, pugnarão pela Lugarização da instituição onde se integram, entendida como a melhor forma de transformar o espaço ocupado pelo outro num verdadeiro lugar onde o mesmo se sinta como em casa, por ver respeitados os seus valores, nome e referências, elevando os aspetos essenciais da Hospitalidade e defendendo e respeitando todas as suas dimensões primordiais.
Perfilhando os Valores Cristãos, fundadores das civilização e cultura europeias, os quais, à semelhança da sua instituição de acolhimento, a Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, professam e promovem, entendem o valor da Liberdade e o caráter de Laicidade da mesma Europa – exatamente porque ela, ao contrário de civilizações desenvolvidas em outras área geográficas, é fruto das suas origens cristãs – e comprometem-se a respeitar todos e cada um de igual modo, sem distinção pela sua religião, cor da pele, género, convicções ideológicas, políticas ou outras, origem social, orientação sexual, instrução ou riqueza.
Defenderão intransigentemente a Dignidade da vida e da morte, que da primeira faz parte integrante, opondo-se à deslugarização da morte, tantas vezes retirada do conforto e apoio familiar e remetida para o esquecimento, o isolamento, a violência e o abandono do hospital ou outra instituição de saúde ou social, apoiando o outro na sua agonia, combatendo ou ajudando a combater o seu sofrimento físico, psicológico ou moral, sem nada fazer para a antecipar ou prolongar distanasicamente.
Compenetrados da relevância humana e social da Compaixão, farão desta capacidade de sofrer com o outro o princípio orientador de todas as suas ações de Solidariedade.
IV – Propósito
O Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses tem como propósito prestar assistência de caráter solidário, benevolente e gratuito aos utentes e doentes das instituições da Santa Casa e seus familiares, tanto a nível institucional como a nível domiciliário, ambicionando dar resposta às suas necessidades e colmatar as suas carências materiais, sociais e espirituais.
V – Compromisso
O Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses e todos os seus membros comprometem-se a acatar, cumprir e fazer cumprir as normas, regulamentos e modo de funcionar da Santa Casa e de todas as suas instituições, não interferir no trabalho aí desenvolvido pelos seus profissionais, nem desempenhar nenhuma tarefa que, de algum modo, lhes esteja atribuída, observar, no desempenho da sua missão, as orientações que lhes sejam dadas pelos mesmos e com eles interagir cordial, cooperante e diligentemente, respeitando-os e exigindo recíproco respeito.
Preservarão e defenderão a imagem e o bom-nome da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses e do Voluntariado, abstendo-se, por ação ou omissão, de os infamar.
Farão da cortesia e civilidade o modo de interagir entre si, com os doentes e utentes e seus familiares e com os profissionais da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses.
Manterão sigilo de tudo o que, por efeito do seu exercício de voluntariado, venham a ter conhecimento, quer no que concerne às atividades da Santa Casa, com reserva do sensível dever de denúncia associado à cidadania em caso de violação da Constituição e da Lei, quer, com particular relevância, no que toca aos utentes, doentes, seus familiares, profissionais da Santa Casa e outros membros do Voluntariado, encontrando-se, nestes casos, obrigados aos deveres previstos pelo sigilo profissional.
No decurso da sua atividade, os membros do Voluntariado guardarão respeito pelos usos e costumes da sociedade Marcoense, obedecerão às regras da moral e da ética e a todos os deveres de cidadania.
Os membros do Voluntariado desenvolverão a sua ação de forma responsável, diligente, pontual e imparcial, com dedicação, espírito de missão e humildade, respeito pela hierarquia institucional, espírito de corpo, recato e boa apresentação, deste modo elevando a autoestima e o prestígio do Voluntariado, fazendo do amor ao próximo o alicerce do seu modo de agir.
O Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, entendendo a magna relevância da proficiência dos seus membros, compromete-se a promover e garantir a formação dos mesmos em conteúdos e competências sociais, nas temáticas relacionadas com o exercício do voluntariado, nos assuntos associados à especificidade de cada tarefa a desenvolver e, com particular relevância, nos valores desta Carta Fundacional. Com o mesmo fim, compromete-se a instituir métodos adequados de seleção dos futuros voluntários.
Exigirá, a todos os que pretendam incluir-se no Voluntariado, a subscrição esclarecida e cônscia de um Termo de Aceitação e Comprometimento, o qual refletirá os valores, propósito e compromissos selados nesta Carta Fundacional.
O Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses compromete-se a fomentar a emergência de novos voluntários junto da sociedade Marcoense, nomeadamente entre a juventude, assim contribuindo para o incremento da consciência social na cidade e no concelho.
Consciente de que muito há a aprender e a criar e certo da capacidade replicativa do trabalho em rede, o Voluntariado procurará encetar processos colaborativos com instituições que subscrevam fins similares, privilegiando, em primeiro lugar, as instituições da Igreja Católica – por cujo ofício orientador e formativo anseia – e associações congéneres.
Finalmente, o Voluntariado da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses elaborará um plano de atividades bienal próprio, pelo qual orientará as suas ações e do qual dará conhecimento aos organismos de governo da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses.
Marco de Canaveses, 21 de maio de 2019
Pela Mesa Administrativa
A Provedora
Doutora Maria Amélia Duarte Ferreira